Eu conversava com uma amiga dia desses, sobre como a vontade de desistir da vida foi incentivada nas letras do The Smiths e de como o Morrissey deveria saber mais coisas do que podemos imaginar sobre as artimanhas de se manter vivo ainda que (en)cante o oposto. E foi durante essa conversa que me surgiu a ideia de começar esse blog onde, finalmente, eu decido expor minha depressão publicamente.
Que eu consiga me lembrar, não existe um dia sequer, em pelo menos vinte anos, em que eu não pense em morrer pelo menos uma vez ao dia. Eu já me imaginei/desejei estar morrendo de todas as maneiras possíveis de se imaginar: já quis explodir os miolos, pular de uma ponte, ser mordida por um cão doente... já me imaginei sendo assassinada por alguém fantasiado de Garibaldo, um botijão de gás voador caindo na minha cabeça, sendo abduzida por extra-terrenos que percebem que houve um engano e me jogam pra fora da nave... eu já quis morrer de tantas maneiras que algumas ideias até me parecem simples demais.
A maioria das pessoas vai pensar que essa é uma tentativa de chamar a atenção, que deve ser carência, que eu sou uma pessoa "muito alegre" pra se levar a sério esse papo de depressão... e eu sequer posso reclamar disso, afinal, foi o papel que eu escolhi interpretar na vida.
Meu pai me criou pra ser independente, pra ser meu próprio suporte. E eu aprendi isso desde de muito cedo! Eu era a menina gorda, negrinha, que gostava de "coisas de meninos" e se entendiava facilmente com as "coisas de meninas". Eu sofria bullying com a mesma frequência que qualquer "minoria" sofria, mas eu adotei esse personagem que parece não se importar com nada e que está sempre de bom humor. E eu gostava de estudar, de aprender... foi ficando cada vez mais fácil "ter resposta pra tudo", rebater as zoações com esperteza e, assim, acabar me tornando a "melhor amiga de todo mundo".
De todas as coisas que me doem na vida, uma das que mais me transtornam é esse ímã que eu tenho pra atrair as pessoas, pra deixá-las confortáveis comigo pra despejar todos os seus lamentos, frustrações, angústias, problemas... desde criança, eu juro, todo mundo ao meu redor sempre arranjou uma maneira de me fazer responsável pelas suas soluções/alívios; seja pra decidir a melhor brincadeira em grupo na rua, seja pra fazer os trabalhos escolares ou (o mais corriqueiro deles) aconselhar suas relações amorosas.
Cada vez que eu me percebi com dificuldade de encarar o mundo, cada vez que algo me doía, se eu procurasse alguém pra conversar/desabafar, os problemas delas sempre se faziam mais importantes e as conversas tinham que ser sobre a dor delas, não as minhas. Eu aprendi cedo que o ego do ser humano é maior do que qualquer amor que ele possa sentir.
Junto a esse aprendizado precoce, vieram as descobertas do amor e seus tipos de relacionamento. Uma das coisas mais marcantes pra mim foi, por volta dos 13 ou 14 anos, quando eu sofria pelo meu primeiro grande amor, passei dias chorando no quarto ouvindo discos do The Smiths, e meu pai resolveu conversar comigo sobre isso pela primeira vez. Ele sentou do meu lado na cama e disse "Eles sempre vão te fazer chorar, filha. Nenhum deles vale a pena". E aquilo mudou minha vida pra sempre.
As palavras do meu pai se fundiram às do Morrissey e eu passei todos os dias restantes da minha vida vivendo esse personagem que me tornei.
Quando o Kurt Cobain se matou, eu estava começando a gostar de Nirvana. Me lembro de levar o encarte do Nevermind pra uma professora traduzir pra mim e ela dizer que eu "ainda não tava preparada praquilo". Obviamente, eu achava que estava. E quando ele morreu eu percebi que estava mesmo. Ele era tudo o que eu queria ser! Eu tinha uma admiração por ele em vida mas, quando ele se suicidou, eu passei pro estágio da idolatria!
As pessoas se tornam cada vez menos interessantes (e bonitas) à medida que as conheço, o mundo parece cada dia mais sem graça e desprezível... era inevitável fugir da imagem de um Kurt corajoso e autônomo o suficiente para, como diria Morrissey: give up life as a bad mistake! E todas as pessoas que se referiam a ele como um covarde me irritavam justamente por essa minha convicção do oposto: é preciso ter muita coragem para desistir da vida, por pior que ela te faça.
Me sinto covarde todos os dias, ironicamente, por seguir adiante. Me sinto covarde por encarar as dores diárias, as dividindo somente comigo mesma. Hoje eu me sinto bastante covarde! Mas hoje é só mais um dia...